Conde de Lautréamont, Gonçalo Bandarra e Jorge Telles de Menezes

No dia 15 de Setembro de 2012 realizou-se mais um encontro de Poetas Aqui. Connosco, desta vez com a participação especial da Troupe Çala onde se incluiram os convidados Guilherme Freitas e Cláudia Fróis. Filipe de Fiúza apresentou a todos os presentes no Espaço Çalega - de João Sol e Rita Leal - em Fontanelas um pouco da vida e obra do poeta uruguaio-francês Conde de Lautréamont e do poeta-profeta português Gonçalo Annes Bandarra. O poeta Jorge Telles de Menezes foi o convidado do Poetas Aqui. Connosco de Setembro 2012.


CONDE DE LAUTRÉAMONT - Poeta Estrangeiro





Dramatização de um excerto da obras Os Cantos de Maldoror pela Troupe Çala (Filipa Camacho, João Sol, João Vasco, Marta Semião, Rita Leal, José Carlos Camacho, Carlos Viçoso, Alice Aguiam, Inês Carvalho). Participação especial do actor Guilherme Freitas e da performer Cláudia Fróis.





Excerto:

«Canto Segundo (p.80)

Ó pilho de pupilas engelhadas, enquanto os rios derramarem a queda das suas águas nos abismos do mar; enquanto os astros girarem no caminho da sua órbita; enquanto o mudo vazio não tiver horizonte; enquanto a humanidade rasgar suas próprias entranhas com funestas guerras; enquanto a justiça divina precipitar seus raios vingadores sobre este globo egoísta; enquanto o homem desconhecer o seu Criador e se rir dele, não sem razão, com algum desprezo, o teu reinado sobre o universo estará seguro, e a tua dinastia estenderá os seus anéis de século para século. Eu te saúdo, ó sol nascente, libertador celeste, a ti, inimigo invisível do homem.»

Excerto:

«Do prefácio a um futuro livro

I

Os gemidos poéticos deste século não passam de sofismas. Os primeiros princípios devem estar fora de discussão. Aceito Eurípedes e Sófocles, mas não aceito Ésquilo. Com o criador não falteis às conveniências mais elementares, nada de mau gosto. Rejeitai a incredulidade, que me dareis prazer. Não há dois géneros de poesia; há uma só.»


Prólogo de uma edição espanhola de Os Cantos de Maldoror.






GONÇALO ANNES BANDARRA - Poeta Português






Evocou-se a personalidade e a obra do grande profeta Bandarra. Foram lidos várias trovas do polémico livro As Trovas do Bandarra, entre as quais:



«SONHO SEXTO

XXXII

Quando o sonho é verdadeiro
Dá-se uma lei muito clara:
Sonho agora, que uma vara
Vai dando luz a um outeiro.»


«FIGURAS DO SONHO

XXV

Virá o Grande Pastor,
Que se erguerá primeiro,
E Fernando tangedor,
E Pedro o bom bailador,
E João bom ovelheiro.»


«FERNANDO

LXXXVIII

Sai, sai esse Infante
Bem andante,
O seu nome é D. João,
Tire, e leve o pendão,
E o guião
Poderoso, e triunfante.
Vir-lhe-ão novas num instante
Daquelas terras prezadas,
As quais estão declaradas,
E afirmadas
Pelo Rei dali em diante.»




JORGE TELLES DE MENEZES - Poeta Português convidado







Poeta, tradutor, dramaturgo, cultor de spoken Word. Sintra tem despertado no autor e do muito que por sua vez o poeta nascido no Porto tem dado à Sintra que (o) adoptou: o seu nome é, com efeito, parte obrigatória do roteiro cultural sintrense, quer pela sua ligação regular às produções da companhia de teatro Tapa Furos e apoio dado a iniciativas literárias de interesse para a cidade quer pela poesia que faz ecoar na serra que Lord Byron tanto amou. São especialmente dignos de nota, neste sentido, os espectáculos experimentais do grupo SinTonicLab, a que Jorge Telles de Menezes pertenceu e do qual se afirmou como um dos seus principais dinamizadores. Cultivando um género de espectáculos onde confluem diversas disciplinas artísticas – desde a poesia recitada e a representação à música ouvida e às artes plásticas, o grupo, em associação com o Teatro Tapa Furos, promoveu um conjunto de sessões “pantónicas”, espectáculos semi-espontâneos, próximo das jam sessions do Jazz, fundamentados na aspiração ao sincretismo patenteado nas composições do músico alemão Arnold Schönberg. As “pantónicas” mudaram certamente para sempre a forma de se dizer e de se fazer arte em Sintra. Jorge Telles de Menezes fez ouvir a sua voz de diseur também em outros momentos mais informais, como os das tertúlias poéticas organizadas no antigo restaurante Casa da Avó, acontecimentos mais espontâneos mas decerto igualmente importantes para a vida cultural sintrense.


À poesia e ao jornalismo literário – foi director interino do Jornal de Sintra, encontra-se ligado à criação de um novo jornal on-line, Selene Culturas de Sintra, e assina uma rubrica para a revista Nova Águia, intitulada “As Ideias Portuguesas de George Till” – junta-se uma prolífera actividade de tradutor (a partir de e para diferentes línguas, do alemão e do inglês ao espanhol e ao português), que passa por géneros, títulos e autores tão distintos como O Espelho de Dois Reflexos, de Arthur Miller, Luz em Agosto, de William Faulkner, A Casa do Juiz, de Bram Stoker, Mitsou, de Rainer Maria Rilke, O Fim do Capitalismo, de J. K. Gibson-Graham, O Princípio do Fundamento, de Martin Heidegger, O Impulso Criador, de Josef H. Reichholf, Atalhos da Floresta e Da Essência da Liberdade, de Martin Heidegger, As Cinco Faces da Modernidade: modernismo, vanguarda, decadência, kitsch, pós-modernismo, de Matei Calinescu, Os Mestres da Humanidade: Sócrates, Buda, Confúcio, Jesus, de Karl Jaspers, Um Mestre da Alemanha: Heidegger e o seu Tempo, de Rüdiger Safranski, Tratados e Sermões, de Mestre Eckhart, entre muitos outros possíveis exemplos.

A obra literária publicada de Telles de Menezes enceta com uma edição bilingue de textos em prosa poética, Numa Cidade Estranha / In einer fremdem Stadt (Berlim, Edition Sonnenbarke, 1983, trad. dos poemas para alemão por Cornelia Fuchs) e passa, em 2003, por Selenographia in Cynthia (Lisboa, Hugin, 2003), um volume que congrega experimentações de uma voz poética surpreendente, tendo como pano de fundo as cenografias pré e pós-históricas da adoração à Sintra Lunar. Novelos de Sintra (Porto, Afrontamento, 2010) dá consistência à ideia de Sintra como lugar de utopia, destino de todos os poetas lunares.

(texto extraído da entrevista da Prof. Fátima Vieira ao autor - com algumas actualizações e alterações)


Foi musicado o poema Sintra Azul-Lunar, do livro Selenographia in Cynthia, pelo músico-compositor-actor João Sol acompanhado por José Carlos Camacho com interpretação de Rita Leal, Filipa Camacho e Marta Semião.





Sintra Azul-Lunar


Sim
perguntas-me
e eu respondo-te
querida deusa
sim
é disto que eu gosto
de ser o teu primeiro animal nocturno
de caminhar entre as nuvens da madrugada
pelas ruas desertas
quando o vento açoiteia as folhas de outono

sim
gosto de ser espreitado pelos espíritos da montanha
ocultos nos seus tronos de muros e heras
enquanto eu cantarolo
passando sem temor
sobre o chão molhado pelas lágrimas de uma princesa de névoa

sim
gosto do meu jardim selvagem e das rosas
que se abrem na madrugada para contemplarem diana
banhada pelo luar do solstício de inverno
como na pintura de uma fada do jardim epicureano

sim
gosto deste silêncio e deste assombro só para mim
de ouvir as vozes dos anjos que em coro celebram
num templo perdido no bosque sagrado
meu destino de ser poeta das tuas luas
ó sintra azul-lunar

gosto também meu irmão
sim
da tua mística luz eterna
de ti
que escreveste no aparente silêncio das pedras
a dor escultural da tua busca interior
por um diálogo entre o homem
deus
e a natureza

sim
confesso
gosto das coisas que vivem na penumbra
deste aprender contigo deusa querida
que a vida não acaba com a mera morte
e que o eco das palavras nos teus ventos circulares
ressoará em todas as estações
no ouvido atento do jovem coração
e suas naturais sezões

adianto mesmo amor
sim
que dentro de ti serei eterno
como a aura que circunda teu rosto verde
e se revela sem mácula ao luar
quando te abraço
no leito aberto das
eras e lembranças escritas no teu corpo.


O mais recente livro do autor intitulado Novelos de Sintra encontra-se disponível em http://www.fnac.pt/Novelos-de-Sintra-Jorge-Telles-de-Menezes/a346270

Entrevista de Jorge Telles de Menezes à Associação Cultural Alagamares

Outros artigos de Jorge Telles de Menezes

Selene - Culturas de Sintra, publicação cultural online dirigida por Jorge Telles de Menezes

Poema No Encontro Que Diz Tudo

No Encontro Que Diz Tudo

No encontro que diz tudo,
o meu coração dança entre
os paralelipidedos da alma.

Imerso na segurança de
um lindo amor, admiro-te
como a um farol sem luz.

No limite do orgasmo surge
a fotografia escrupulosamente simples
que a liberdade dá à mente.

No encontro que diz tudo,
admiro-te pelo convívio e
pelo complexo dos teus traços.



Composição de Filipe de Fiúza,
palavras gentilmente escolhidas por cada um dos participantes
no encontro Poetas Aqui Connosco de Agosto 2012.




VERSÃO MANUSCRITA



O Mar e a poesia de Sophia Breyner Andresen, Vieira de Barros, Agostinho Baptista, Ricardo Reis, Fernanda de Castro e outros

No dia 18 de Agosto de 2012 realizou-se mais um encontro de Poetas Aqui. Connosco, desta vez decorrido numa varanda poética gentilmente cedida pelo dramaturgo e jornalista Fernando Sousa situada dentro da magnífica paisagem da Praia do Magoito. Filipe de Fiúza propôs a todos os presentes um encontro em que o Mar foi o poeta convidado e para e de onde convergiram e divergiram as mais variadas experiências poéticas e de vida dos participantes. Houveram ainda vários momentos musicais por João Sol e Rita Real.







SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN




Inscrição

Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar

do livro "MAR - Antologia de Poemas sobre o Mar"


Reino

Reino de medusas e água lisa
Reino de silêncio luz e pedra
Habitação das formas espantosas
Coluna de sal e círculo de luz
Medida da Balança misteriosa

do livro "MAR - Antologia de Poemas sobre o Mar"


Praia

Os pinheiros gemem quando passa o vento
O sol bate no chão e as pedras ardem.

Longe caminham os deuses fantásticos do mar
Brancos de sal e brilhantes como peixeis.

Pássaros selvagens de repente,
Atirados contra a luz como pedradas
Sobem e morrem no céu verticalmente
E o seu corpo é tomado nos espaços.

As ondas marram quebrando contra a luz
A sua fronte ornada de colunas.

E uma antiquíssima nostalgia de ser mastro
Baloiça nos pinheiros.

do livro "MAR - Antologia de Poemas sobre o Mar"


JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA




Melodia

Este é o orvalho dos teus olhos.
Esta é a rosa dos teus vales.
O silêncio dos olhos está no silêncio das rosas.
Tu estás no meio,
entre a dor e o espanto da treva.
Arrancas-te ao mundo e és a perfumada
distância do mundo.
Chego sem saber, à beira dos séculos.
Despenho-me nos teus lagos quando para ti
canta o cisne mais triste.
O pólen esvoaça no meu peito, junto às tuas
nuvens.
Esta é a canção do teu amor.
Esta é a voz onde vive a tua canção.
As tuas lágrimas passam pela minha terra
a caminho do mar.

do livro "Paixão e Cinzas"


É no sul onde me demoro

É no sul onde me demoro.
Há uma varanda em frente onde espero o
entardecer,
essa hora mais lenta,
limiar da noite e do coração, quando soam os
punhais.

Estranhas são as nuvens deste céu litoral.
Passam, param,
soltamse em intoleráveis figuras,
animais do vento, altíssima visão.

à esquerda é o caminho para o areal.
Do outro lado alguém toca,
os dedos ferem as cordas,
florescem as notas de um lamento distante.

Quantas noites estarei aqui,
nesta varanda do sul,
no entardecer destes países,
nas cordas de um cântico mortal?

do livro "Morrer no Sul"


ARMANDO VIEIRA DE BARROS



VIII

Oh Lua, plácida Lua,
a luz que te veste assim
com alvuras de marfim
e que mostras não é tua,
mas do beijo fulgurante
que o Sol te dá dia-a-dia
na tua face penante
de fria melancolia!

Oh, musa da soledade,
triste e bela adormecida
sob o véu da eternidade,
tua alma está morrida
e jamais o Sol te alenta,
pois os bons deuses da Vida
se dispersam em seguida
quando a alma se ausenta!

Mas, alma, quando a tiveste?
- essa vulcânica ardência,
ora subtil ou agreste,
de magmática essência
criadora de energias
gestantes, prodigiosas
para manhãs radiosas
de novos e claros dias.

do livro "Este Sol que me Aquece"


Será que percebe, então

Será que percebe, então,
o sopro leve
que passa breve
a rondar p'la escuridão?
Por si roçando
de quando em quando
como carícia de mão;
depois, baixinho,
grave, mansinho,
num múrmurio modulado
e segredante
de voz distante
de algo fluído, alado,
nunca visível,
só perceptível
e presente em todo o lado
como louco vagabundo,
ora dançando
ou sussurrando,
a girar livro p'lo mundo

do livro "Este Sol que me Aquece"


FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO




Viver na Beira-Mar

Nunca o mar foi tão ávido
quanto a minha boca. Era eu
quem o bebia. Quando o mar
no horizonte desaparecia e a areia férvida
não tinha fim sob as passadas,
e o caos se harmonizava enfim
com a ordem, eu
havia convulsamente
e tão serena bebido o mar.

do livro "Três Rostos - Ecos"


FERNANDA DE CASTRO




Não Fora o Mar!

Não fora o mar,
e eu seria feliz na minha rua,
neste primeiro andar da minha casa
a ver, de dia, o sol, de noite a lua,
calada, quieta, sem um golpe de asa.

Não fora o mar,
e seriam contados os meus passos,
tantos para viver, para morrer,
tantos os movimentos dos meus braços,
pequena angústia, pequeno prazer.

Não fora o mar,
e os seus sonhos seriam sem violência
como irisadas bolas de sabão,
efémero cristal, branca aparência,
e o resto — pingos de água em minha mão.

Não fora o mar,
e este cruel desejo de aventura
seria vaga música ao sol pôr
nem sequer brasa viva, queimadura,
pouco mais que o perfume duma flor.

Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.

Não fora o mar
e, resignada, em vez de olhar os astros
tudo o que é alto, inacessível, fundo,
cimos, castelos, torres, nuvens, mastros,
iria de olhos baixos pelo mundo.

Não fora o mar
e o meu canto seria flor e mel,
asa de borboleta, rouxinol,
e não rude halali, garra cruel,
Águia Real que desafia o sol.

Não fora o mar
e este potro selvagem, sem arção,
crinas ao vento, com arreio,
meu altivo, indomável coração,

Não fora o mar
e comeria à mão,
não fora o mar
e aceitaria o freio.

do livro "Trinta e Nove Poemas"



ANTÓNIO GOMES LEAL




Carta ao Mar

Deixa escrever-te, verde mar antigo,
Largo Oceano, velho deus limoso,
Coração sempre lyrico, choroso,
E terno visionario, meu amigo!

Das bandas do poente lamentoso
Quando o vermelho sol vae ter comtigo,
- Nada é mais grande, nobre e doloroso,
Do que tu, - vasto e humido jazigo!

Nada é mais triste, tragico e profundo!
Ninguem te vence ou te venceu no mundo!...
Mas tambem, quem te poude consollar?!

Tu és Força, Arte, Amor, por excellencia! -
E, comtudo, ouve-o aqui, em confidencia;
- A Musica é mais triste inda que o Mar!

do livro "Claridades do Sul"



RICARDO REIS

Inutilmente Parecemos Grandes

O mar jaz; gemem em segredo os ventos
Em Eolo cativos;
Só com as pontas do tridente as vastas
Águas franze Netuno;
E a praia é alva e cheia de pequenos
Brilhos sob o sol claro.
Inutilmente parecemos grandes.
Nada, no alheio mundo,
Nossa vista grandeza reconhece
Ou com razão nos serve.
Se aqui de um manso mar meu fundo indício
Três ondas o apagam,
Que me fará o mar que na atra praia
Ecoa de Saturno?

do livro "Odes"


Poema Flor-noite

Flor-noite


Flor,
névoa de ser
viragem elementar
da inexorável aura
que a noite ouve.

Noite,
memórias e saudade
das vertigens parabólicas
entre a empatia dos recantos
e a transgressão estapafúrdia.

Flor-noite,
poética sabedoria.


Composição de Filipe de Fiúza,
palavras gentilmente escolhidas por cada um dos participantes
no encontro Poetas Aqui Connosco de Julho 2012.




VERSÃO MANUSCRITA