Novalis, Soares de Passos, António Gancho e Susana Custódio (encontro inaugural)

No dia 17 de Março de 2012 deu-se início ao ciclo de encontros poéticos Poetas Aqui. Connosco. Filipe de Fiúza apresentou a todos os presentes no Ateliê CriArt um pouco da vida e obra do poeta alemão Novalis e dos poetas portugueses Soares de Passos e António Gancho. A poetisa sintrense Susana Custódio foi a primeira convidada do Poetas Aqui. Connosco.


NOVALIS - Poeta Estrangeiro





Leitura integral do texto Flor Azul e do primeiro hino da obra Os Hinos à Noite:



Excerto do texto Flor Azul:

«Pareceu-lhe que caminhava sozinho numa floresta escura. O dia só resplandecia de vez em quando pela folhagem verde. Chegou a um desfiladeiro rochoso que se estendia pelo monte acima. Teve de galgar pedras musgosas que outrora haviam sido arrancadas por uma torrente. Quanto mais subia mais a floresta de aclarava. Finalmente chegou a um pequeno prado que se estendia pela encosta do monte. Para além do prado, erguia-se uma rocha altíssima, no sopé da qual havia uma abertura que parecia ser o início de uma passagem cavada na terra.»



Excerto do primeiro hino da obra Os Hinos à Noite:

«De entre os seres vivos que têm o dom da sensibilidade haverá algum que não ame, mais do que todas as aparições feéricas do extenso espaço que o rodeia, a luz, em que tudo rejubila as suas cores, os seus raios, as suas vagas; e a suave omnipresença do seu dia que desponta?»


SOARES DE PASSOS - Poeta Português Conhecido





Leitura dos poemas Saudade, O Mendigo e O Anjo da Humanidade da obra poética Poesias.



O Mendigo

Nas torres soberbas da grande cidade
O sol desmaiado não tarda morrer;
Recrescem as sombras: que importa? a vaidade
No manto das sombras envolve o prazer.

E o velho, entretanto, lá sobe a montanha,
Caminha, caminha, no cimo parou:
Em frigidas gottas o rosto lhe banha
Suor cupioso, que á terra baixou.

Quiz, antes da morte, nas serras distantes
Fitar indo os olhos cansados da luz;
A aldeia da infancia saudar por instantes,
Depois, satisfeito, depor sua cruz.

Olhou, e um suspiro de vaga saudade
Juntou a seus prantos em funda mudez;
Depois, ao volver-se, topando a cidade,
Que em ebrio tumulto folgava a seus pés:

«Mal hajas, cidade, que ao pobre faminto
«O pão da desgraça negaste cruel!
«Mal hajas, mal hajas, que a terra do extincto
«Talvez lhe negáras á tumba infiel!»

E exhausto, e sem forças, caiu de joelhos;
E a fronte cansada firmou no bordão:
Passados instantes, os olhos vermelhos
Ao céo levantava, dizendo: perdão!

Caiam-lhe soltas, no collo vergado,
As longas madeixas em brancos anneis:
Que nobre semblante de rugas sulcado,
Sulcado dos annos, e mágoas crueis!

«Perdão para as vozes que solta a desgraça!
«Perdão para o triste, perdão, oh meu Deus!
«Bem hajas, que aos labios lhe roubas a taça
«De fel e amarguras, abrindo-lhe os céos.

«Já filhos não tenho, levou-mos a guerra;
«Esposa não tenho, finou-se de dor;
«Amigos não vejo na face da terra:
«Que faço eu no mundo? bem hajas, Senhor!

«Ás portas do rico bati sem alento,
«Eu, rico n'outr'ora, mendigo por fim;
«O rico sem alma negou-me sustento,
«Aquelles que amava fugiram de mim.

«Vaguei pelo mundo, nas faces myrrhadas
«Colhendo os insultos que ao pobre se dão;
«Sem pão, sem abrigo, por noites geladas
«Pousei minha fronte nas lageas do chão.

«Que vezes a morte chamei sem alento,
«Cansado do annos, e fomes, e dor!
«A morte não veio: soffri meu tormento...
«Só hoje me ouviste: bem hajas, Senhor!

«Os homens e o mundo negaram-me os braços,
«Mas tu me recolhes, tu me abres os teus...
«Minha alma te busca, desprende-a dos laços...
«Perdão para todos, perdão, oh meu Deus!»

E um ai derradeiro soltou d'ancidade,
Caindo por terra nas urzes do chão;
Ao longe, no seio da grande cidade,
Brilhava das festas nocturno clarão.


ANTÓNIO GANCHO - Poeta Português esquecido





Leitura dos poemas Artéria, Tu Tens Razão, Abertura, Literatura, Noite Luarenta, Tu és mortal, Quando desaparecer e Resigno-me à Função da obra poética o Ar da Manhã.




Artéria, Tu Tens Razão

A única coisa que eu aprendi meu Deus
a sofrer a desilusão duma passagem de rua
ficar com o lado esquerdo a ajudar a falar
mas a única coisa que eu aprendi
Que um bocado de vidro inundasse de luz uma artéria
eu era um bocado de vidro que não inundasse de luz
artéria nenhuma
era uma desilusão a olhar para mim
e dizer movimento de rua
é assim movimento de rua
aí está nós cá estamos nós somos tal e qual
uma desilusão em passagem.
Tinha era ainda mais que tudo isso
um inchaço dum vidro em bocado
espetado em cima de pedra.
Havia um estendal de desilusão a devorar-me
todo com os olhos
eu era uma continuação do meu ser.
Onde um simulacro estava a vantagem
de uma desilusão.
Eu não
eu cá.
Que um cá estamos considerasse ou não
eu não tinha nada com isso
Eu fum, eu...
Ah,
Havia é que era eu cá estamos nada disso
eu cá não eu nada eu não tinha eu não tenho
tu quê
nós consideramos.
Onde punha fum
tudo por dentro era duma urania
tudo por dentro era duma constipação palpável
pelo sentido da pedra e do bocado de vidro.
Não eu cá não vou.
Quem olha descontenta.


Abertura

Eu abria o rádio
eu abria o aparelho
era uma flor branca que eu abria
de sopro
eu soprava e eu abria a flor
A flor tocava música com as várias mãos
das pétalas
A flor tocava uma simbolização dum tempo
caído podre de espera de cor branca
O tempo espera-se em pintar-se
de branco
para cegar uma cor
mas a minha flor abria-se de
pétalas
e as várias mãos escreviam um
piano por cima de teclas grãos vários
seguidos uns aos outros.
Era assim uma harmonia
entre flor
tempo a querer-se de cor branca em cegar
era assim umas teclas cantarem filhos de grãos
por dentro dos grãos mesmos
unidos que eram em dimensão de lado
era assim um cantar-me o tempo todo
não era assim um cantar-me o tempo todo
era assim um pairar-me
o tempo todo em Nijinsky
o tempo em um fazer-me ballet pelo quarto inteiro
quando eu tinha aberta a cabeça que imagino
da música
Abria a pétala favorita do harém
onde no centro um sultão da flor
no centro que era o amarelo da flor
abria a pétala favorita da flor
e então
e era então que me soava dentro da manhã
do quarto
uma música desfibrada de tempo serôdio
como se tudo me fosse em longe
como se a música levasse longe
o céu.


LITERATURA

De literalmente aturar
atura a minha literatura
estar entre toda a Literatura que há até hoje e houve
e literatura nenhuma.
Se é surrealista ou não em suma
não sei responder.
Se ela é existencialista
por exemplo que sei eu
entre os franceses por exemplo
dos franceses
André Frénaud
e os esquizofrénicos de Paris
do frio
o frio
não me deixa se calhar ser.
Que eu tanto canto
a existência do frio como do calor
a existência do Verão e do Sol
como da chuva e do Inverno
eu canto qualquer coisa
eterno provedor da minha república
só interior de cantar.
Senão, ó bela, é instaurarem-me
um processo que não dá para o petróleo
cole-o o tempo ao ramo
o amo ao cavalo
que exprimo e falo de mim primeiro
primeiro de mim
depois e só depois dos outros sim
e entre os dois enfim
ganhar qualquer coisinha
para a espinha que dói muito a escrever
senão é ver.
Beber umas coisas
e se ela noutra arte pousar
e cá isso de surrealista ou existencialista
não o sei ainda que a mim não mo disseram.
Só considerar isso das duas coisas.
À parte isso falo de existir
ganhar uns carcanhóis
com a arte de escribir
comer uns caracóis com o dinheiro arranjado
fumar uns cigarróis
beber cá umas coisas
e de artes só há duas.
Sub-reptilmente
ou existencialmente ainda continuar.
Existentivamente.
Comer.
Beber.
Escrever.
Mais umas mulheres nuas.


Noite Luarenta

Noite luarenta
Noite a luarar
Noite tão sangrenta
Noite a dar a dar
Na chaminé da planície
a solidão a cismar
na chaminé da planície
noite luarenta a dar a dar
Noite luarenta
noite de mistério
noite tão sangrenta
solidão cemitério
Na chaminé da planície
o Alentejo a solidar
noite luarenta que o visse
noite luarenta a dar a dar
Noite luarenta
noite luarol
na chaminé da planície
o temor e o tremor
O cavalo a luarar
a lua a fazer meiguice
noite luarenta a luarar
noite luarenta a luarice.


Tu és Mortal

Tu és mortal meu filho
isto que um dia a morte te virá buscar
e tu não mais serás que um grão de milho
para a morte debicar
Tu és mortal anjo
tu és mortal meu amor
isto que um dia a morte virá de banjo
insinuar-se-te senhor
É-se mortal meu Deus
tu és mortal meu Deus
isto que um dia a morte há-de descer
ao comprimento dos céus


Quando desaparecer

Quando desaparecer
hei-de pedir à noite
que me consuma com ela
que me devaste a alma
não quero mais
quero desaparecer na noite
e só de noite consumir-me


Resigno-me à função

Isto de fazer poesia
não tem não mais que fazê-la.
Põe-se o papel, pega-se no lápis
e à moela da inspiração
falemos assim, digamos assim
não se diz não.
Começa-se não mal
que se comece bem
depois de tal
vem que as imagens
ou as comparações
escrevem e metem-se no meio
do que tu supões.
Depois dentre nós dois
ou o Céu ou o Inferno
ou Deus ou o Diabo
a bela ou o quadritérnio
inspiro-me, inspiras-te,
escrevo, começo e acabo.
Não abro o coração
em dois
que não vem depois
mais sangue fluido
a falar.
Abra-se antes na função
poética
coisas como o mar
o luar, o acabar das horas
e dos dias, na poesia romântica,
e na quântica outras
coisas, outras noções,
as quantas são que não
na romântica
aqui nesta já as leis
do coração, a função
entre dois corações
mas fisiologicamente
e na romântica
apaixonadamente mais quente.
Resigno-me à função
de fazer poesia.
Esfria-me é
o condão muitas vezes
mas a teses como
esta ou uma tese
qualquer
quero fazer eu
um poema também.
Resigno-me à função.
Submeto-me à função.
Subjugo-me à função.
E não vou mais longe.
Escrevo. Poesia.
O hábito faz o monge
e eu um dia vou longe
se escrever muito em poesia.
Doutra maneira dizia que
vale mais fazer a poesia
que dizê-la
que ela de guia tem
e serve-se de bela.


SUSANA CUSTÓDIO - Poeta Portuguesa convidada





Susana Custódio, nasceu em Lisboa em Maio de 1949, reside na região de Sintra desde os 18 anos.

Muito cedo (aos 14 anos) começou a escrever contos e alguns “rabiscos” a que ela chama “Estados de Alma”.

Estudou em Lisboa e depois de concluir os seus estudos viajou para Londres onde frequentou a Universidade de Oxford Universidade de Oxford, depois viajou para a então África portuguesa mais propriamente Moçambique, país pelo qual viria a ter uma “Grande Paixão” que ainda hoje perdura.

Entre outros trabalhos que realizou com algum relevo, durante muitos anos leccionou a língua inglesa.

É, aliás, uma apaixonada por línguas estrangeiras, por isso continua ainda hoje a estudá-las.

Gosta de viajar, conhecer outros costumes, outras pessoas e respectivos estilos de vida.

Os seus “rabiscos” como ela lhes chama, nunca teve vontade de os compartilhar com ninguém até ao dia em que conheceu um poeta que a incentivou a divulgá-los.

Tem um filho, o Pedro que afirma ser a razão maior da sua vida. Por. Agora com o filho já homem, está a tentar fazer aquilo de que gosta e ser feliz.

Aos 27 anos ganhou um prémio de literatura ao responder a um desafio feito pelo Inspector Varatojo no Canal 1 da Radiotelevisão portuguesa, o desafio consistia em propor aos espectadores que escrevessem un Conto inédito sobre a grande escritora inglesa de ficção policial; Agatha Christie

Foi no ano de 2007 que se integrou num grupo de poetas e começou a frequentar e a promover “Encontros Poéticos”.

Entretanto o seu espólio literário é já de considerável dimensão e inclui poesia e contos.



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Alguns poemas:

HAIKAY 2

Verão na Praia Grande
Envolveste-me nos teus braços
Do mar me salvaste

IDEAL PARA FAZER AMOR

Ca
mi
nha

AH! O AMOR

Sempre despertou o meu desejo
Esperado por mim a cada alvorada
Na minha alma já nascida apaixonada
Em tudo o que me rodeia o vejo

Esperei encontrá-lo em meu caminho
O meu coração seria o seu ninho
Queria degustá-lo como um bom vinho
Nos seus braços sentir-me aconchegada

Chegou! Em mim se instalou como furacão
Numa louca e desenfreada paixão
Ocupou todo o meu corpo e coração

Ah! O amor – foi para ele que nasci
É ele o meu verdadeiro alimento
Morrerei de fome…porque o perdi…

Mais poemas

5 comentários:

  1. Amigo Filipe,
    Aproveito para o felicitar com esta sua iniciativa.
    Foi muito bom ter estado presente em Poetas Aqui.Connosco. Esta sua iniciativa engrandece a poesia.
    As pessoas que estiveram presentes foram também maravilhosas.
    Mais uma vez agradeço o seu convite e por me ter escolhido como poeta convidada.
    Foi uma honra para mim.
    Beijinhos
    Susana Custódio

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  2. Viva o Blog,foi uma noite maravilhosa.
    Obrigado ,Felipe Fiuza,Suzane Custódio e Mariis Capela
    Vida longa ao Poetas Aqui Conosco!
    Abs
    Guilherme Freitas

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  3. Parabéns a todos pela iniciativa!
    Vida longa e Sucesso para os eventos e para este blog!
    Um sorriso :)
    mariam

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  4. ...desejo o maior sucesso. Será seguramente!
    Abraço!

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  5. Parabéns pela iniciativa do evento, em especial a ti pela participação. É muito louvável a iniciativa em homenagear os poetas vivos! Abraços fraternais e beijos amadurecidos deste poeta semeador, José Luiz Pires. e.mail: inadequado54@hotmail.com

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